terça-feira, 20 de outubro de 2015

Vó Divina - Brigada de Oxalá

Mais um pedacinho do livro para degustação. Brigada de Oxalá é um projeto que inclui um livro e o cd que serve de trilha sonora e com canções compostas em aprceria com Alexandre Lemos, meu parceiro antigo e agora companheiro daqueles de bom.

Esse livro está em um financiamento coletivo e para colaborar entre aqui 
Esse capítulo fala de uma das figuras centrais do livro, a Vó Divina.


CAPÍTULO 7

Ela é uma velha sentada em seu banquinho. Ela é madrinha quem cuida do canzuá”
Tatiana Rocha


Tinha chovido bastante na noite anterior e as ervas estavam felizes com aquela umidade toda.
Divina estava sentada em seu toco predileto, tomando seu café e observando o dia nascer. Todas as juntas de seu corpo doíam, os dedos já estavam tortos, qualquer movimento era uma tortura.
Não tinha medo da morte, ao contrário, ansiava o instante que se libertaria do seu corpo velho e poderia voar livremente. Oitenta e três anos é tempo demais pra se viver. Todos os amigos já tinham partido, tudo que lhe era familiar tinha mudado. Se sentia só e antiga, muito antiga. Sentia saudade de comer e beber juntos dos seus, de poder dançar um bom samba de roda, de varar a madrugada cantando, das giras de festas, da casa cheia de gente.
Agora não fazia mais essas coisas.
Observou que a arruda estava secando. Passou os dedos nas folhas secas e falou carinhosamente:
“Ô, erva danada de boa, sô! Vira e mexe resseca e morre anunciando que tem demanda chegando aqui. Como se eu não soubesse que se vive no meio de um mar de demanda. Vou colocar mais estrume bem curtido no seu pé, viu, formosa? Fica assim tristinha não. Mesmo sequinha tu é a mais linda arruda desse terreiro todo. Não, não é verdade, eu não cuido mais das rosas, cuido de tudo igualzinho aqui. Deixe de falar besteira, deixe de ser ciumenta que eu não gosto desse tipo de conversa”.
Não se surpreendeu quando uma imagem apareceu no meio da névoa da manhã.
Desde sempre via e ouvia espíritos. Herdara da avó essa capacidade, o jeito com as plantas e a obrigação de cuidar dos santos e das pessoas. Ver os mortos era como ver os vivos. Era tudo filho de Deus.
Sua avó era negra africana, trazida à força pra o Brasil e se chamava Bukola. Foi rebatizada como Benedita, em homenagem a São Benedito e nunca aceitou seu nome cristão. Na África era uma sacerdotisa, iniciada nos Mistérios, muito respeitada e temida. Conhecedora do uso das ervas e dos pós mágicos, curava praticamente todos os males do corpo e era muito boa pra dor de coração. Quando virou escrava quase morreu de desgosto e saudade. Apanhou muito por causa de sua resistência e teve o rosto todo cortado por chicote na tentativa de conter sua natureza agressiva e rebelde. Foi colocada como matriz, pra procriar mais escravos, e tirou do próprio ventre vários filhos. Se recusava a servir a qualquer senhor dizendo que não era bicho pra dar filho escravo. Mas quando engravidou da mãe de Divina, que resistiu a todas as ervas aborteiras usadas, entendeu que aquela criança deveria nascer. Por causa dela descobriu forças pra continuar viva e aprendeu a ser mais discreta em sua luta. Sua filha foi batizada como Rosa Maria mas Bukola a chamava de Chinyere, presente de Deus. Nunca se esqueceu de sua terra e dos filhos que deixou pra trás. Nunca se esqueceu dos seus deuses e aprendeu a cultuá-los escondido, fazendo o Senhor acreditar que ela estava rezando pros santos dos brancos. Morreu fugindo do cativeiro, com quase cinquenta anos, sabendo que seria morte certa, que o capitão do mato não a deixaria ir muito longe. Não tinha medo da morte. Tinha medo de se acostumar com a prisão, de perder a vontade de lutar. Então, em uma noite de lua escura, saiu da senzala, se embrenhou na mata e foi em busca de sua liberdade. Quando se despediu da filha e da neta, que era um bebê de colo, jurou que nunca iria deixá-las desamparadas.
Quando Divina tinha treze anos, já negra alforriada, Bukola apareceu para ela em um sonho dizendo que ensinaria tudo que sabia porque a tradição tinha que continuar. Ela era herdeira de um povo que reconhecia a sabedoria de seres sagrados, divindades que podiam conversar e orientar, amigos espirituais. Explicou que Divina tinha nascido com o dom de ver e ouvir esses seres e ainda espíritos que já tinham abandonado a vida, na forma da carne. Divina possuía ouvidos, olhos e pele sensíveis, que reagiam às vibrações dos outros planos espirituais.
Divina viveu transitando entre os mundos dos vivos e dos não vivos, recebendo informação direta de sua avó desencarnada mas, principalmente, desses amigos espirituais que sempre a acompanhavam, orientando e ensinando.
Havia os anciões que sempre tinham uma palavra sábia e justa e Divina os chamavam de vô e de vó e eram eles que consolavam suas tristezas mais profundas. Havia os seus amigos, crianças como ela, que normalmente apareciam tentando evitar que Divina se machucasse ou se metesse em confusão braba. Normalmente chegavam em pequenos grupos e brincavam juntos por muitas horas, sendo responsáveis por vários atrasos e, consequentemente, broncas imensas onde Divina era acusada de falta de atenção, lezêra, lombriguice desvairada, mania de sonhar acordada e falta de vontade de trabalhar. Divina ouvia as broncas e nem ligava. Muitas vezes riu alto, vendo, por de trás de sua mãe, a doce Crispiniana, sua melhor amiga desencarnada, fazendo micagens e imitações engraçadíssimas de sua pobre mãe que, não vendo nada, achava que Divina era mesmo uma criança muito da debochada. Apanhou muito por causa disso. Acredita até que suas orelhas eram maiores do que o normal do tanto que elas foram puxadas! Pulava do riso para o choro e algumas vezes quem vinha em seu socorro era uma senhora muito bondosa, brilhante até, que pedia que tivesse paciência, que um dia aquilo tudo passaria e ela entenderia melhor. Gostava dessa senhora como quem gosta de uma professora muito amada e ela se identificou como Dona Tetê.
Outras vezes sentia a presença de seres que viviam nas matas, tão ariscos que não se deixavam ver mas Divina aprendeu a ficar bem quietinha, sem abrir os olhos, sem mexer um músculo sequer e eles, muito lentamente, foram se aproximando até que um dia começaram a conversar. Divina amava entrar na mata correndo, tentando acompanhar seus amigos que pareciam flutuar e serem mais rápido que o pensamento, perseguindo as borboletas e os passarinhos.
Nunca se sentiu só, afinal sempre tinha companhia dessas visitas e amigos não encarnados, mas sabia que não era exatamente como as outras crianças e jovens e entendia porque a maioria das pessoas a evitava. Ela era diferente.
Sua avó só parou de se apresentar quando Divina fez a sua iniciação em um terreiro de Candomblé, iniciação essa que foi longamente discutida com seus amigos espirituais, já que Divina não se sentia à vontade em virar sacerdotisa e não também não tinha um temperamento manso, que aceitava tudo sem reclamar ou discutir. Muito tempo e trabalho foram gastos até que Divina pudesse receber as bênçãos dos Orixás africanos, honrando assim a sua linhagem espiritual e ganhando uma insígnia sagrada que muito lhe serviria na sua caminhada. Sua própria avó teve que interferir e vir pedir que seguisse o que lhe pediam e, mais ainda, disse que dali em diante ela teria que confiar na sua intuição, nas orientações dos amigos espirituais e que deveria aprender a magia do povo branco e do povo vermelho, juntando tudo em uma fé só porque tudo era sagrado.
E assim Divina fez.

Euclides brilhava em uma cor suave e sua imagem era meio fosca, mas perfeitamente visível.
“Bom dia, Divina! Tá bonito esse quintal, hein? Tudo colorido, que beleza!”
Divina sacudia a cabeça em aprovação e viu o amigo sentar no toco lado do seu.
“Você não é de se bandear pros lados de cá sem razão importante. O que quer dessa velha aqui? Café eu sei que não é porque morto não toma café. Pelo menos não desse aqui que eu to tomando. O que quer de mim?”
Euclides riu da forma direta e sem delicadeza de Vó Divina. Ela era fogo na roupa, não tinha mesmo papas na língua!!
“É verdade, estou precisando de sua ajuda. Vamos mandar um jovem pra perto de você e precisamos que passe a ele algumas informações sobre a religião, sobre os mistérios, sobre a Arte. Precisamos que oriente ele, cuide mesmo. Ele está sendo convocado pra assumir uma grande obrigação e precisa de ajuda. Tem temperamento difícil, é rebelde, meio desbocado, bem cabeça dura. Ou seja, parecidíssimo com a sua pessoa. Vai assumir um terreiro de Umbanda quando ficar adulto”.
“Sei. E quando ele chega?”.
“Hoje”.
E nesse instante adentra pela porteira do terreiro um moleque com uns nove anos de idade correndo atrás de uma das galinhas boiadeiras que cacarejavam loucamente acordando o dia de forma definitiva.
Vó Divina se levanta do banquinho com dificuldade, olha pro menino que parou assustado quando viu a preta velha e resmunga baixinho:
“Esse povo não tem piedade de uma velha. Mesmo no fim da vida fica mandando trabalho pra gente fazer. Afe Maria, e ainda mais um moleque atentado desse. Só por Deus, viu. Ô, moleque filho de uma égua! Vá correr atrás de outra galinha que essa aqui é a Genoveva! Se assustar a bicha ela para de botar ovo! Mas será o benedito!”
Euclides foi embora morrendo de rir do jeito “delicado” que Vó Divina tinha. Sabia que ela faria um trabalho muito bom com aquele menino. Não era o primeiro que era encaminhado pra ela, mas possivelmente seria o último. Sorriu imaginando o tanto que aquele pobre menino levaria de bronca, do tanto que seria corrigido. O método dela era o antigo, sem muita conversa, sem moleza e seguindo à risca a tradição. Funcionou por muitos anos. Deveria funcionar com ele também.



sexta-feira, 9 de outubro de 2015

brigada de oxalá - o livro

COLABORE COM O FINANCIAMENTO COLETIVO DO MEU PRIMEIRO ROMANCE

https://beta.benfeitoria.com/brigadadeoxala
Oi, gente. Cá estou pedindo sua colaboração. Seria uma indelicadeza fazer isso sem me apresentar.
Eu me chamo Tatiana e eu nasci em Niterói, fui criada em Salvador e atualmente moro em Campinas, São Paulo. Tenho dois filhos, vivo com um homem que é louco pelo Flamengo, tenho três gatas pretas e três cachorros vira-latas.
Também me chamam de Tatiana Rocha, cantora e compositora, pesquisadora da cultura popular, guerrilheira da música independente com nove cd's gravados, um dvd e um monte de trilhas para teatro. Vivo da música e para a música.
Mas também atendo a quem me chama de Mãe Tatiana de Yemanjá, dirigente espiritual do Terreiro de Umbanda Mãe de Deus, com sede aqui em Campinas e que tem como braço artístico o grupo de samba de roda Samba de Yayá, idealizado por mim e formado por todos os meus filhos de santo. Um adendo importante: Yayá é a forma carinhosa que eles me cumprimentam e significa mamãe. Bonito, né?
A mulher, a artista e a dirigente espiritual se fundiram, no grande barro da criação, e nasceu a escritora. Nasceu sem eu perceber, no meio das ervas que eu plantava, no bafo da panela no fogão, nas madrugadas solitárias e nos intervalos das visitas regadas à café, na mesa da cozida manchada pelo tempo e por tantos cotovelos. Escrever sempre foi libertação para mim.
Um dia, me deu vontade de contar uma história que explicasse o que se faz necessário para que uma pessoa se torne um líder espiritual, que falasse do tanto de gente que se prontifica a ajudar, tanto na terra como nos céus,  para a preparação de um soldado do bem e do amor, acima de tudo. Sendo umbandista, nada mais natural que contar essa história usando o universo mágico da Umbanda, suas lendas, seus cantos, seus orixás, seus caboclos, guardiões e pretos-velhos.  Assim nasceu o meu primeiro romance batizado de BRIGADA DE OXALÁ.
Isso, por si só, já seria uma alegria e uma grande vitória, mas o homem com quem eu vivo é compositor também e, no meio de uma conversa de casal, surgiu a ideia de fazermos a trilha sonora do livro, com canções que falassem de passagens e personagem da história, como se faz em filmes e séries de televisão. Alexandre Lemos, o marido-parceiro, escreveu a maioria das letras e eu fiz as melodias. Algumas canções nasceram só de mim, outras só dele e quando vimos, era um material muito rico e tão afinado com a história que ficamos loucos pra mostrar o trabalho pronto para todo mundo.
É por isso que estamos aqui. Precisamos de sua colaboração para viabilizar esse projeto tão desejado e que tem relevância em muitos lugares. Primeiro, é meu primeiro romance e isso já sensacional e eu fico feliz de poder dar voz e vida a esses personagens que eu aprendi a amar. Depois tem essa parceria musical de dois compositores independentes que se dispuseram a compor especialmente para a trilha do livro e esse encontro é de uma entrega linda que merece ser apreciada por todos. Finalmente, uma questão que acreditamos ser de importância primordial: o respeito pela tradição da cultura afro-brasileira e da liberdade religiosa. Os tempos andam estranhos e a arte sempre foi uma arma poderosa contra a intolerância. Artista também participa e estamos fazendo a nossa parte.

SOBRE O LIVRO
O menino Damião está pretestinado a ser um dirigente espiritual, no futuro. Para isso precisa ser orientado e protegido. O livro narra o esforço de várias pessoas para que a missão espiritual de Damião tenha sucesso. Todos os personagens estão ligados a ele de alguma forma: a velha yalorixá que o guia, o jovem ogam, a Madre, os guardiões que são convocados para a batalha, os Orixás, o preto-velho, todos unidos como uma imensa brigada de luz.
A história busca retratar de forma poética as lendas,  mitos, ritos, símbolos e fundamentos da Umbanda em sua missão pelo bem e pelo amor.
A ilustração da capa é de Rety Ragazzo.
Leia aqui um capítulo do livro!
SOBRE O DISCO
O disco é a trilha sonora do livro. Todas as composições são inéditas, compostas especialmente para o projeto, e são de autoria de Tatiana Rocha e Alexandre Lemos, que dividem a direção musical.
Alexandre  Lemos é compositor com mais de 150 canções gravadas, por inúmeros intérpretes e parceiros, entre eles Ney Matogrosso, Renato Teixeira, Sergio Reis, Marjorie Estiano, Ceumar, Celso Viáfora, MPB4, incluindo a própria Tatiana Rocha.
 
COMO APOIAR
 
Para apoiar este projeto é muito fácil, basta escolher um valor com o qual você deseja contribuir. Você ainda receberá uma ótima recompensa de acordo com cada valor, que está ali no canto direito da página!
 
SOBRE A BENFEITORIA
 
Esta é uma nova plataforma que possibilita a você, público, colaborar com os artistas e fazer os projetos culturais acontecerem!
Seja você colaborador do meu projeto!
 
PARA TIRAR DÚVIDAS
Você pode enviar email diretamente para nós no brigadadeoxala@gmail.com

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Um pedacinho do livro

 Finalmente tomei coragem e comecei a escrever o livro.
Dá um nervoso danado porque nunca escrevi romance, mas estou indo aos poucos.
Resolvi mostrar um capítulo daquele que só é chamado de "O LIVRO".
Se eu sou ruim pra dar nome em música, imagine em livro.


CAPÍTULO 3

Eu vou chamar Zé Tambozeiro pra bater tambor de Angola”
Candeia

Samuel estava cansado. Tinha tocado a noite toda na festa da padroeira da cidade, ainda meio bêbado, suado, mas estava contente. 
Era o que mais gostava de fazer na vida: tocar pro santo, fosse o santo católico, fosse africano. Era um ogan desde o nascimento, sempre soube que a sua missão na terra era fazer a ligação entre os mundos, carregar no peito o peso das contas, assumir a responsabilidade. Mas ainda era moço, ainda tinha que viver o que tinha que viver antes de aceitar seu destino. Por causa disso ele se divertia sem limites. E tocava todo o dia, mesmo que fosse sozinho na beira do mar, pra sua mãe Yemanjá.
Não havia na região melhor batuqueiro que ele. Ninguém tirava o som do couro como aquele mulato magro e comprido conseguia tirar. Parecia feitiço, parecia que ele tinha alguma coisa com o tinhoso de tão danado que era..
Samuel gostava de contar nas rodas de malandragem, durante as madrugadas de farra e bebida, que quando ele nasceu o próprio Exu veio assistir o parto, exigindo pra si o menino recém nascido. Foi a sua própria mãe que interferiu porque ela não aceitaria de jeito nenhum ter filho de baixo de pé de Exu. Ainda mais ela, mãe solteira, sem pai pra ajudar a criar filho. Aquele alemão só tinha servido mesmo pra falar umas palavras embrulhadas na sua orelha, cafungado em seu pescoço, se divertido em sua cama. Tomou a estrada e nunca mais deu notícias. Era ela, Tônia, sozinha que iria ter que colocar esse menino no caminho do certo, então nem morta que ela iria deixar que Exu viesse tirar seu filho do caminho porque ela bem sabia que os filhos de Exu são difíceis de cuidar e de controlar. Não, de jeito nenhum! Então, quando viu ao pé de sua cama a figura de Exu sorrindo com os braços estendidos, gritou por seu Orixá protetor e pediu que fosse Ogum que viesse cuidar de seu filho. Gritou tanto e tão alto que lá no barracão do seu terreiro o chão tremeu porque Ogum tinha ouvido seu chamado e veio galopando,girando sua espada, num grito de guerra. Veio feliz da vida porque poder guerrear com seu irmão era sempre uma felicidade. Dizem que nessa noite dava pra ouvir o barulho do aço e do ferro batendo na batalha entre Ogum e Exu pela cabeça do menino. Era só fagulha e estilhaço de metal correndo o céu daquela noite. O resto do povo diz que foi uma chuva de meteoritos, mas quem é do axé sabe que tudo que é da natureza é o orixá mostrando sua força. O que ninguém imaginava é que a batalha demorasse tanto, mas tanto, que obrigou a Oxalá intervir e foi ele que tomou à frente e pegou pra si o pequeno Samuel.
Dizem que quando Ogum e Exu caíram no chão de cansaço, sem ninguém vencer a ninguém, se deram conta da presença de Oxalá, imenso e brilhante em sua roupa branca, sua espada reluzente e seu escudo, rindo alto com a criança em seu braço. “ Esse não é nem seu, Exu, nem seu , Ogum. Esse é meu”! E colocou no pescoço do menino um fio de contas brancas e uma pequena firma vermelha que até hoje Samuel carrega no pescoço.
Samuel jura que nunca aumentou o fio da conta, que ela cresceu conforme ele foi crescendo e que isso é coisa de Orixá. Também gosta de dizer que foi desejado por Exu, disputado por Ogum e abraçado por Oxalá. Então é por isso que ele é o melhor ogan da região e também o melhor capoeirista, e o melhor amante, e tudo que for melhor, maior e mais impressionante. Destino é destino! E mesmo falando com essa arrogância juvenil consegue ter a simpatia e tirar risos de todos que o ouvem. E assim faz a sua fama e , literalmente, deita na cama.
Mas nesta noite Samuel está cansado e sente que daqui a pouco as coisas vão ter que mudar.
Sente uma tristeza sem identificar ao certo o porquê.
Decide que amanhã mesmo iria pra beira da praia pedir orientação à Yemanjá.
Alguma coisa está pra acontecer.

Voltei!

Não quero ficar restrita ao Facebook.
Volto a escrever aqui para não apertar em meu próprio pescoço um laço que ainda não sei onde me prende.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Nada. Eu disse, nada que treme hoje em mim treme em vão.
Se não tenho mais as firmezas que tive um dia é porque as usei todas.
Usei todo o colágeno de minha cara em gargalhadas escandalosas, choros compulsivos, caretas desnecessárias e toda e qualquer expressão de mim que escorria pelo meu rosto. Gastei com gosto gastei sem economia.
Se meus joelhos tremem é de tanto eu ter dançado. Ou corrido. Caído e levantado. Nossa senhora, esse joelho aqui já correu vida. Hoje range em noites muito friorentas. Joelho metereologista.
Meu coração ainda treme também. E eu me lembro dele totalmente jovem e firme, todo durinho nas suas certezas de coração menino. Se quebrou todinho. Mais de uma vez, coitado, ficou todo fudido tantas vezes, remendado, colado ora com fita durex ora com durepóx. Servicinho porco de remendo, me deixou com o peito todo desalinhado, pingando óleo, duas pinturas até. Perdi completamente o alinhamento das coisas de dentro de mim e eu acho que segui soluçando por dentro por muito tempo. Devo ter milhares de suspiros presos no meu peito. Coisas de coração quebrado.
Então quando meu coração amoleceu depois de tanto rangir e brigar, quando ele serenou nessa mania besta de ser fortão, firmão, quando meu coração ficou tao velho que foi se esquecendo, foi apagando algumas coisas e eu acho que agora, somente agora em que meu coração começa a ficar senil...eu digo que é só agora que eu aprendi mesmo a amar.
Agora é a hora.
Quando tudo meu treme e eu sei reconhecer que tremer assim é recompensa de quem viveu.
Eu vivi e viverei mais um tiquinho.

Buniteza

Ali, bem na minha frente.
E eu vi, fui tirando os panos, fui limpando os cantos , puxando a pele pra fora e quando percebi...toda uma buniteza ali.
Lindo.
Lindo assim, azulejo escondido, uma luz que entra pela fresta, um vista pro mar.  Bonito como um banco antigo no canto da varanda. Ai se eu te lustro, se te afago, te faço brilhar todinho, esse cheiro de madeira velha, esse jeito de tempo e ao mesmo tempo de fortaleza.
Eita que era uma formosura nova, um tipo de flor que tem que cheirar pra achar bonita.
Cheirei até os cantinhos dos poros. Cheirei os pensamentos. Cheirei seu tom de pele.
Nem me lembroquando foi que comecei a ver.Porque tem um tipo de buniteza que me faz rir porque é meio surpresa, meio delícia, meio inesperado.
Ver toda sua beleza me fez rir e eu compus pra você, bonito.
Porque tem buniteza...rsrsrrs



terça-feira, 24 de julho de 2012

Voltei meio atrapalhada, acho que to chegando ainda. Um pé quer ficar na fantasia da estrada, um tipo de filme da sessão da tarde de não acaba. Mas a vida não é só isso. E aquele outro resto da vida, que é todinho meu e só a mim cabe cuidar, me futuca por dentro e eu aqui relutanto pra voltar.
Mas voltei, né. Agora tô aqui.
Voltei botando ordem na casa. Limpando tudo. Me limpando também, me dando o elixir exato, um tiquinho de solitude absoluta.
Pra me ajudar, perdi um dos celulares dentro do carro. Por têes dias ele foi engolido pelo monstro que mora dentro do meu carro. Eu, em pleno usufruto do meu elixir, caguei e andei pelo fato de estar sem celular. Depois  deu um tilt qualquer no telefone fixo e ele ficou mudo também. Nem tentei ajeitar, nem aí. O outro celular decarregou e eu não achava o carregador, aquele mesmo que o Joca roeu e eu tenho que ficar ligando fiozinho com fiozinho, um trabalho danado, toda hora desliga. Desisti de cansaço antecipado.
E aí, pra fechar com chave de ouro e manter a coerência, o cabo de força do meu computadorzinho quebrou e eu fiquei sem poder ligar o danado, ou seja, sem net.
Ou seja, calada.
Comigo.
Os pensamentos rondando em minha volta.
Eu saindo abstração.Eu comigo, pensando nas coisas, nas merdas que faço, a chibata descendo o couro, aquela confusão na cabeça, eu pensando que nem tudo parece ser o que é, mas algumas coisas são, com certeza, até que eu resolvo, sei lá porque, olhar bem de perto os gatos e qual é a minha profunda surpresa quendo percebo que não tenho três gatos, o Rum, ao Pi e o Lé, respectivamente o Rumbold, a Piaf e o Léso. O Rum era o meu preferido e eu sabia que ele era ele porque ele tinha pinto e um fio branco da orelha esquerda. Só assim eu diferenciava esses gatos idênticos. Agora não existe mais fio branco, um dos gatos virou gata, onde tinha dois pintos e um xota agora tem um pinto só, nenhum fio branco que me ajuda a identificar e eu to aqui imaginano que isso é uma coisa rara. Eu tenho um gato travesti! Porque quando eu saí de viagem eu tinha dois machs e uma fêmea.
Aí isso ferrou com toda a minha abstração, toda a minha filosofia , com toda a minha solidão terapêutica porque eu achei que eu devo estar muito , mas muito doida mesmo por ter me confundido desse jeito.
Eu devo estra muito louca.
Cruzes.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

minha casa e minha alma andam juntas

Como boa taurina que sou preciso de ter meu canto, meu porto.
Agora, mais que nunca, eu senti na pele a importância de ter o refúgio quando parece que o mundo todo lá fora despenca. Muita gente passando por momentos difíceis, sofrendo por uma razão qualquer, padecendo só ou partilhando suas dores.
Eu também.
Mas minha casa é aquele local mágico onde eu resgato meu equilíbro. O presente que é ter esse quintal imenso, a possibilidade de olhar o céu, tomar banho de sol, de mangueira, mexer na terra, plantar minha horta de ervas, ver as flores brotando no meio do caos do mundo. Os filhotinhos correndo, brincando felizes na terra vernelha. a gata caçando e usando seu instinto sem vergonha alguma. Os velhos e novos cachorros cuidando de mim.
Meu jardim secreto é minha casa toda.
Me pego passando a mão pelas paredes e agradecendo a simples existência dela. Cuido da limpeza não como um fardo e sim como um dengo. Um dengo que chega até a minha alma.

Ando observando as plantas de uma forma nova. Sei que existe sabedoria ali.
Por exemplo, o manjericão me parecia triste. Mesmo verde e lindo, florindo, me parecia triste. De impulso replantei em um vaso amior onde pereceu um gerânio e tinha um solitário pezinho de hortelã, que eu sei que detesta restriçoes de espaço. Tirei o hortelã e plantei direto na terra, ao lado da melissa, do poejo, da arruda e da cavalinha. Replantei o manjericão no vaso imesno de terra preta que segura  bem a umidade.
A lição que aprendi me diz que não adianta manter a beleza repremida, segurada, presa. Soltei o hortelã no chão. O hortelã é como eu, livre pr natureza.
O manjericão me pediu socorro e eu ainda não consigui me desapegar tanto dele e planta-lo direto na terra. Fiz um pequeno acordo até eu encontrar um vaso imenso que seja como um campo livre pra que ele possa crescer feliz.
Eu sou hortelã mas estou majericão.
É...ando observando os ciclos da vida, olhando o céu, ouvindo as cigarras que anunciam que no dia seguinte será dia quente, de sol forte. A lua rodeada por luz diáfana me conta que terá frio seco e essa lua nova que nada ilumina me obriga a calar mais e sentir melhor.
Estou aprendendo a ser erveira, mas isso só é possível porque minha casa me protege e me acalanta. Me deixa ser. E assim eu vou vivendo.
De certa forma, feliz.


terça-feira, 23 de agosto de 2011

ervas medicinais no meu ajrdim de casa

Os dias passam curtos ou longos, mas sempre passam.
Nesses dias que ando sumida mexo na terra, determinada a manter minha horta, meu jardim de ervas, minha composteira produzindo, quem sabe até um minhocário.
Minhas mão reclamam um pouco, minhas unhas vivem sujas e quebradas mas o colorido que aparece em minha volta, esses odores todos que surgem quando esbarro em algum verde, isso sim vale muito à pena.
Os manjericões são exuberantemente felizes. Gostam do sol da mesma forma que eu gosto de samba. Hoje fiz uma tintura, um azeite e um vinagre, todos de manjericão do meu jardim. estou absilutamente orgukhosa disso.
A manjerona, o tomilho, o orégano crescem um pouco amsi lentos, mas crescem forte. Tambpem gostam do sol, do vento e do sereno da noite.
A losna é impressionantemente exuberante, como são todas as bruxas verdadeiras. Linda no seu manto prateado. Ainda não me sussurra nada, só se preocupa em crescer e crescer e eu só me preocupo em lhe dar espaço.
Sua prima Artemísia é mais lenta. está indo mas não do jeito que eu gostaria. Não sei se é o vaso pequeno, não sei se não dou a devida atenção de acordo com a sua imensa importância. Na verdade me confundo entre artemísia, millefóloum e canfora. Sei que sção diferentes mas na minha cabeça são todas parecidas e eu acabo chamando por apelin=ds carinhosos e não pelo nome. Sei lá se as plantas sabem dos nomes que demos a elas. Mas essas , as que eu nao chamo pelo nome, crescem menos. Um fato.
Os alecrins estão bem , obrigado. Gostam que eu lhes coce a terra, espalhando, afofando. Juro que gemem.
Calêndula no  vaso junto da pitangueira experimenta o mundo, meio tímida ainda, mas quando se soltar, vai se soltar mesmo.
A hrtelã que plantei direto no chão cresce e se espalha. Quero ver quem é mais poderoso: meu hortelã ou as pragas do jardim.
As melissas se recuperaram mas ainda não acho que achei a mão para elas e para o hortelã do vaso. Acho que no vaso elas não conseguem se expressar. Ainda to apegada a elas pra desistir do vaso e plantar no chão. E dpeois? Se eu sair da casa?
Ah, as flores. Minha sementeira está toda brotada! Linda...
Minha casa agora é assim. Um monte de cheiros, de texturas, barro, terra, folha...adoro!
Adoro mesmo!

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

caro desconhecido

Caríssimo, que saudade de ti.
Te esperava como quem espera o õnibus que nunca chega, aquela agonia de seráqueperdiahora, ou então aquele tédio insosso, olhado em volta, toda blase, mas sabendo que saltaria, liberta finalmente, quando te visse virando na esquina.
Elegante. Tem uma elegância tão antiga,um não sei quê de superior, todo mistério, parece um mundo de esquinas, um sabre se esgueirando pelas vielas, pelos meus dedos. Por mim.
Não me aguento quando me vem  pedaços das frases que me disse, ao pé do ouvido, assim, do nada. Foi falar de meu nome e quando me dei conta estava lá, olhando pra dentro do olho e pensando que não era possível se ter tanta poesia na manga, um tipo de coringa da cafagestagem. Tinha que ser muito do filhadaputa pra ter centenas de poemas que fazem tremer os joelhos. Não, não é, prefiro acreditar no que me agrada a alma. É tudo inspiração. Sei disso porque alguma coisa me pareceia meio encantamento mesmo. Uma história meio sem começo, nem fim, um flashback de alguma ciosa que esqueci. Não sei, mas existe um conforto, um encaixe bom.
Pois é, caríssimo. A própria cinderela de calças.
Cruzes.

domingo, 17 de julho de 2011

Um tipo de vida nova, cheia de subjetividade

A chegada de nova vida sempre é razão de felicidade, mas me surpreendi comigo mesma, do tanto que fiquei feliz e emocionada com o nascimento dos filhotes da Preta.
Uma significância toda especial para mim. No meio do ranço do antigo, chega o novo. E o novo é como erva daninha, tem uma urgência de vir, de se colcoar à vista, de ser. Chega cheio de ternura, um cheiro de leite bom, um toque de verde, chegas com banda de música, fanfarra, em plena lua cheia.
Adoro.
Falando na lua...ela nasce bem em frente à minha varanda, escalando o telhado do vizinho. Cehga toda amarela, robusta, orgulhosa de si e vem cantando pra mim. Eu olho pra ela - sim, velha amiga, escuto o chamado - me banho com manjericão perfumando a alma, me troco displicente, salto rubro pra firmar meus passos e saio pro mundo.
E assim, cheia de coisa nova por dentro e or fora, o mundo me recebe sorrindo e eu só sei sorrir.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

encontros femininos

Agradeço imensamente aos encontros femininos, quando eu e minhas amigas nos juntamos e começamos a ter profundas conversas.
Ontem foi assim. Um vinho que apareceu em casa e eu não faço a mínima idéia de como surgiu, uma toalha sobre o baú da sala e as cartas cheias de mistérios paradoxalmente revelando nossos mistérios.
Até pra perguntar a gente tem que organizar as idéias. Mais importante do que as respostas são as perguntas que nos inquietam e pensar sobre o que é importante saber, vasculhar, já é metade do caminho percorrido.
Agradeço ao universo feminino por essa benção.

muito obrigada